27 Mar
Jacinta Passos: a voz poética e política da Bahia

Jacinta Velloso Passos nasceu em 30 de novembro de 1914, na Fazenda Campo Limpo, no município de Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano. Vinda de uma família tradicional e politicamente influente — seu avô, Themístocles da Rocha Passos, foi senador da República — cresceu em um ambiente marcado por fortes valores políticos, intelectuais e culturais.

Em 1924, aos 10 anos, mudou-se com a família para São Félix e, mais tarde, para Salvador. Na capital baiana, estudou na Escola Normal da Bahia, onde se formou em 1932 com destaque, sendo a melhor aluna em matemática. Foi nesse período que começou a escrever seus primeiros versos, inicialmente com temas religiosos, reflexo de sua sensibilidade e de uma religiosidade marcante na juventude.

Durante a década de 1930, passou a frequentar os círculos literários de Salvador, especialmente a Ala das Letras e das Artes (ALA), ao lado de seu irmão Manoel Caetano Filho. Seus poemas logo conquistaram o reconhecimento da intelectualidade local, consolidando sua presença no cenário cultural baiano.

Com o avanço da Segunda Guerra Mundial, Jacinta engajou-se em movimentos antifascistas e pacifistas, aproximando-se de grupos de esquerda. Em 1942, publicou com seu irmão o livro “Nossos Poemas”, que marcou sua entrada formal na cena literária. Dois anos depois, mudou-se para São Paulo, onde se casou com James Amado, irmão do escritor Jorge Amado. Lá, estreitou relações com importantes nomes da cultura e da política, como Oswald de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda.

Em 1945, lançou o livro “Canção da Partida”, ilustrado por Lasar Segall, recebendo elogios da crítica especializada. No mesmo ano, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e candidatou-se a deputada federal pela Bahia. Embora não tenha sido eleita, seu compromisso com as causas populares e a justiça social tornou-se cada vez mais evidente, refletido em sua produção literária e nas suas ações públicas. Em 1951, publicou “Poemas Políticos”, obra que entrelaça lirismo e engajamento, denunciando desigualdades e defendendo utopias sociais.

A partir desse período, começaram a circular discursos que buscavam desqualificar sua atuação política, muitas vezes associando sua conduta a supostos distúrbios mentais. Em um contexto de crescente repressão — especialmente contra militantes de esquerda e mulheres — essas narrativas serviram como estratégia para silenciar sua voz. Ainda assim, Jacinta seguiu escrevendo e publicando. Em 1957, lançou “A Coluna”, um poema épico sobre a Coluna Prestes, reafirmando sua firmeza ideológica.

Ao longo dos anos 1960, viveu em cidades como Petrolina (PE) e Barra dos Coqueiros (SE), onde manteve sua militância política. Em 1965, já sob o regime militar, foi presa após pichar mensagens de protesto contra a ditadura em muros de Aracaju. A prisão ocorreu por militares do 28º Batalhão de Caçadores. Pouco depois, foi institucionalizada sob a alegação de incapacidade mental — uma narrativa imposta pelo regime como tentativa de neutralização política. Jacinta permaneceu internada até sua morte, em 28 de fevereiro de 1973, aos 57 anos.

A vida de Jacinta Passos não foi moldada para agradar — foi feita para confrontar. Mulher, poeta, militante e inquieta, ela escreveu com a coragem de quem não separa palavra e ação. Enfrentou a intolerância, o autoritarismo e as tentativas sistemáticas de apagamento com lucidez e convicção. Sua obra permanece como registro da luta de uma geração que ousou sonhar com justiça social e que pagou caro por isso. Jacinta não é memória suavizada: é denúncia viva, é poesia em estado de combate.


Por David Souza
Conteúdo Pedagógico

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